Diario

Tenho saudades do meu avô Manuel

Tenho tantas saudades de ti, avô!

Das histórias que me contavas.

Dos teus olhos a brilhar de emoção cada vez que me perguntavas ficaste bem? referindo-te à minha progressão académica.

Dos teus olhos a sorrir de maroto quando me pedias para roubar sem a avó ver um pedacinho de boroa. Os diabretes, como dizias, não permitiam estes desejos.

Tenho saudades de ti, avô!

Da tua ternura quando me trazias novos calendários para a minha coleção, nas tuas idas ao Porto, à consulta do Sr. Dr Seruca. Para mim, o Porto era tão distante e, por isso, esta prenda tornava-se mais especial.

De quando nos lias, em voz alta e na íntegra, o Jornal de Notícias ao serão, impedindo-nos de ver qualquer tipo de programa na TV.

De quando me despertavas às 6h da manhã dizendo Ana, está na hora minha filha, para eu ir para o autocarro que me levava até à grande cidade e à faculdade.

Tenho saudades de ti, avô!

De quando me ralhavas porque, tentando limpar o pó, alterava a tua harmoniosa disposição das caixas de medicamentos na tua mesinha de cabeceira.

De quando mexia sem a tua autorização na tua secretária e te deixava furioso.

De quando partia, sem querer, uma flor no jardim,

Tenho tantas saudades tuas, avô!

Dos momentos em que me contavas que fizeste (ou pelo menos tentaste) arroz doce a partir do estrojido para arroz de bacalhau que a bisavó te incumbira de fazer.

De quando me dizias da fome que passaste nos tempos da guerra, de como salvaste um soldado inglês cuja aeronave caiu na praia do cabedelo. Até recebeste um louvor do comandante da GNR e uma carta do primeiro ministro inglês, Churchill.

Tenho saudades de ti, avô!

Das longas horas de conversa.

De quando me contavas, pela milionésima vez, como as tropas liberais desembarcaram no Mindelo e salvaram o Porto dos absolutistas, dos tempos do Salazar e da PIDE.

Da forma como adivinhavas se amanhã chuvia ou fazia sol, se a trovoada era forte ou passageira.

Da forma carinhosa como cuidavas do quintal e dos animais, de como falavas com o canário lá se casa.

De como mantinhas s teus sapatos meticulosamente limpos e brilhantes, engraxados a primor!

De te ver a comer o pão com alhos, todos os dias pelas 11h da manhã, sentado num banco no meio do quintal.

Tenho tantas saudades de ti, avô!

Tantas. Muitas.

Da forma como, sem te exaltares, impunhas respeito e se, com uma mão ralhavas, com a outra tinhas um mimo.

Da tua alegria na noite de Natal. Gostavas de mesa farta. De bolinhos de bacalhau e polvo cozido.

Recordo-te em pequenos papéis que vou encontrando no meio dos livros, em pequenas pedrinhas que me trazias perguntando se teriam valor arqueológico. E no teu cheiro que ainda perdura nos teus objetos pessoais que guardo junto de mim.

Tenho tantas saudades tuas, avô!

Do teu sentido de família, de responsabilidade, de honra e integridade.

Saudades de te trazer ao senhor doutor, como dizias. De te levar ao cemitério de Viana para veres os teus pais ou de irmos juntos tomar uma cevadinha.

Um pouco de ti está comigo. Nas memórias. Nos objetos. Nas fotografias. E o teu nome está no meu filho Manuel (João Manuel).

Mas mesmo assim, mesmo sabendo que só estás do outro lado do Caminho e que me vês, eu tenho saudades tuas porque nunca mais nada foi como era. Ninguém mais me contou histórias como tu e roubar boroa ao cesto do pão deixou de ter piada.

Se eu pudesse ter-te mais um dia, mais um dia que fosse, eu te diria que és o melhor avô do mundo, Que foi um privilégio ser tua neta. E abraçar-te-ia muito. Muito. Muito para sempre. Porque te amo.

 

Ana, 17 de Julho de 2017.

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